Prof. Ricardino Lassadier: CCFC - Nas trilhas da Fé e da Razão, de acordo com a grande tradição católica (Parte III)

Prof. Ricardino

CCFC - Nas trilhas da Fé e da Razão, de acordo com a grande tradição católica (Parte III) 

MISSÃO PASCAL NO CAMPO DA CULTURA

 O CCFC ao estimular a cultura e estabelecer um diálogo cultural se insere nesta rica tradição presente na bimilenar história do pensamento da Igreja e em sua constante articulação entre fé e razão. Certamente o labor assumido pelo CCFC não é fácil, já que, apesar da Igreja sempre afirmar a coerência entre fé razão, surgiu na modernidade correntes de pensamento, ideologias que postularam o afastamento entre ambas. Daí, reflexão e religião passam a ser concebidas como excludentes e os “ismos” ganham força: fideísmo, materialismo. O primeiro gera as mais diversas formas de fanatismos religiosos (lembremos da queda das “torres gêmeas” naquele trágico 11 de setembro). O segundo se manifesta com faces diferentes (cientificismo, utilitarismo, materialismo etc.) que, de certo modo, não deixam de ser formas camufladas de fanatismos que resultam em tragédias: quantos milhões morreram sob a tirania do comunismo materialista?

A separação entre fé e razão produz o que João Paulo II, denominou “cultura de morte” (cf. EV, 12).

A cultura de morte tem como patamar de sustentação alguns valores (?): autonomia individualista (que é uma faceta da libertinagem) e sucesso individual. O sucesso individual é marcado pela insaciável fome de poder e de bens, de modo que tudo é visto a partir dessa ótica. A autonomia individualista “pode ser entendida como a possibilidade de fazer tudo o que se quer, sem nenhum limite externo” (CF 2008,nº31). No bojo da cultura de morte a autonomia individualista é tomada por liberdade e passa a reinar o sentimento de cunho hedonista, utilitarista, enfim egoísta. A cultura de morte pode ser definida como tudo o que o homem produz ou desenvolve pondo em risco ou negando a vida e a dignidade da pessoa humana em suas diversas dimensões: física, social, mental, ética, espiritual. A cultura de morte é a esfera do relativismo ético e da absolutização da concepção de liberdade que se converte em liberalismo, e a exacerbação da individualidade que resulta em individualismo (cf. CHALITA, 2006, P. 281).

Tomemos apenas um exemplo: a raiz do utilitarismo. Por volta de 1620 o filósofo inglês Francis Bacon publicou sua obra mais importante: Novum Organon. Nessa obra, Bacon, defendeu a ideia que o homem é ministro e interprete da natureza (cf. BACON, 1973, p.19), deveria dominar a natureza para conseguir usufruir seus benefícios, dessa forma o conhecimento verdadeiro para filósofo inglês residiria na utilidade. Saber verdadeiro é saber útil. Esta concepção utilitarista pensada aproximadamente há quatrocentos anos atrás possibilitou o atrelamento da educação, e da cultura ao mercado.

Battista Mondin (1980, p.96) define duas formas de utilitarismo: utilitarismo egoístico e utilitarismo altruístico ou social. Diz Mondin: “O primeiro faz valer como critério a utilidade, o interesse de cada um; ao contrário, o segundo faz valer o interesse, a vantagem da coletividade”. Seja em sua forma “egoística”, seja na forma “altruística” o utilitarismo resulta em submeter a moralidade sob um pragmatismo medonho e perigoso. O utilitarismo, que é sempre pragmático não pondera que todo avanço técnico torna-se problemático e discutível quando não é acompanhado por um amadurecimento moral. Se o progresso técnico não corresponde ao amadurecimento moral, a razão é concebida funcionalmente e vista como incondicional, torna-se ela mesma critério para moral, pode promover mecanismos perniciosos para a pessoa humana. Em uma sociedade em que impere a mentalidade utilitarista, tais mecanismos podem ser moralmente aceitos.

O papa Wojtyla,, comenta acerca do que ocorre em uma cultura que reine tal mentalidade: “Propõe-se, assim, a supressão dos recém-nascidos defeituosos, dos deficientes graves, dos inválidos, dos idosos, sobretudo quando não autossuficientes, e dos doentes terminais. Nem nos é lícito calar frente a outras formas mais astuciosas, mas não menos graves e reais, de eutanásia, como são as que se poderiam verificar, por exemplo, quando, para aumentar a disponibilidade de material para os transplantes, se procedesse à extração dos órgãos sem respeitar os critérios objetivos e adequados de comprovação da morte do doador” (EV, 15).

Assim como a liberdade, a razão de ser da cultura é promover a vida e a dignidade da pessoa humana, por conseguinte uma cultura só é verdadeira se for moralmente ética. Segundo Gasset (1990,p.62), a cultura evidencia o valor da vida. Considero que esta é a tarefa da cultura. E, nesse sentido, quando a vida é vista por um angulo carente de cultura, seu valor é distorcido, pois prevalece a barbárie.

O CCFC, no diligente esforço em constituir-se como área em que a fé e a razão possam ser desenvolvidas simetricamente, edifica mediante suas atividades um não a toda e qualquer expressão da cultura de morte. Paira nos ares  do CCFC a convicção de que o divórcio entre fé e razão resulta no aborto da verdade. Nesse aspecto, é correto afirmar que o CCFC em seu compromisso de laborar e efetuar a comunhão entre fé e razão estabelece um “oásis” adequado à nupcialidade e fecundidade entre ambas.

A contemporaneidade, como prolongamento da modernidade, em muitas de suas expressões culturais, é fortemente adâmica. E faz-se imprescindível cristianizar a cultura. Adão, ao dar ouvidos a Satanás, que é o progenitor da mentira, da calúnia, da falsidade (Jo 8,44) perverte sua liberdade, tornando-a libertinagem. Assim, a libertinagem é fruto da mentira e traz a gênese do embuste. Ora, a mentira só pode ser aniquilada pela Verdade que é Cristo. Há no CCFC um esforço verdadeiro em ser um recinto apropriado para que se realize, através dos cursos e eventos, a evangelização da cultura, que nada mais é do que a passagem (páscoa) de Adão e sua opção pela mentira à Cristo caminho, verdade e vida (Jo 14,6). Eis a grande missão pascal a qual o CCFC não se furta em efetivar.         

 

Ricardino Lassadier Rodrigues de Sousa é Professor, Graduado (Bacharel e Licenciado em Filosofia), Especialista em Filosofia (Epistemologia das Ciências Humanas), Especialista em Teologia (Teologia e Realidade com ênfase em Bioética). Colaborador do CCFC desde 2006.